Mais uma história de terror do consumidor moderno
- Érica Briones Graciano
- 30 de jan.
- 4 min de leitura
Sexta passada, para minha enorme surpresa, ao concluir uma compra em um site de produtos para pets — com o qual eu tinha uma relação longa e estável até então — fui cobrada pelo “Clube de Benefícios” do site. Vejam bem, eu tenho certeza absoluta de que não havia adquirido o clube intencionalmente. Afinal, pelos benefícios que já tinha avaliado antes, simplesmente não fazia sentido para mim.
Ao tentar cancelar, descobri que não seria reembolsada integralmente, pois supostamente já havia usufruído de R$ 30,00 em descontos oriundos do clube — um desconto que eu não tinha certeza do quão diferente era por eu já ser uma cliente recorrente. Diante disso, fui obrigada a acionar a central de atendimento. E como toda boa história de terror do consumidor moderno, é aí que começam as nossas lições sobre como não tratar seu consumidor.
Primeiro, era óbvio que eu estava falando com um bot. Não sei se o meu problema era corriqueiro ou não, mas rapidamente ficou claro que ele não ia conseguir resolver. Afinal, eu precisava que:
O pedido com o suposto desconto fosse cancelado;
O valor calculado como usufruído do Clube de Descontos cancelado;
O valor do clube de benefícios estornado integralmente.
Foram necessárias 19 mensagens com o bot até que um humano finalmente me atendesse, sendo que nas últimas 5 interações estávamos em loop. Estava claro que a única coisa que o bot sabia fazer fazer era cancelar o pedido, mas o problema era maior que isso. Para piorar, o bot usava GenAI para gerar algumas das suas respostas, o que fazia com que em alguns momentos ele mencionasse o cancelamento do clube e, no seguinte, simplesmente esquecesse que isso fazia parte do problema.
Além disso, o motivo do meu cancelamento era por que havia me sentido enganada pela interface, que me fez comprar algo que eu não queria. Mas a lista de motivos disponíveis para cancelamento do pedido não incluía essa opção.
Eu sabia que precisava falar com um humano, mas, diferente da "saudosa" (sic) época das URAs, não existe mais a opção “9 - Falar com um atendente”.
Até aqui, já temos algumas lições importantes:
1️⃣ Seu bot do WhatsApp ainda não vai resolver todos os seus problemas de atendimento
Não importa o quão bem manutenido e treinado ele seja, a tecnologia simplesmente ainda não está madura o suficiente. Querer forçar o cliente a resolver tudo por um bot só gera irritação. A nova URA digital não é menos frustrante que as antigas.
2️⃣ Siga as recomendações do seu time de design
Boas práticas de design conversacional determinam que, após três interações sem avanço na conversa, a opção de falar com um humano deve ser apresentada.
Aposto que o time de design sabe disso. A grande questão é: quais dinâmicas perversas estão estabelecidas nos indicadores de desempenho da organização que tornam o ato de tentar vencer o consumidor pelo cansaço mais importante do que qualidade de atendimento. Olhar para o aumento do número e custo de atendimento humano como algo ruim, sem analisar as causas e o contraponto de qualidade é um tiro no pé.
3️⃣ Customer centricity requer vontade genuína de conhecer seu cliente
Forçar o consumidor a escolher um motivo de cancelamento que não reflete sua realidade só deixa a empresa cega às reais insatisfações do público.
A forma como o atendimento está estabelecido hoje demanda um excelente trabalho de identificação e revisão de interações com o bot problemáticas. Isso realmente está acontecendo? Aposto que não, de qualquer forma, seria mais simples normalizar respostas eventuais fora do padrão do que correr o risco de perder insights valiosos de conversas reais.
4️⃣ Sim, comunicação é repetição, mas tudo tem limite
Se o seu modelo de negócio gira em torno de compras recorrentes, perguntar toda vez se o cliente quer assinar o mesmo serviço que já recusou antes não vai convencê-lo.
Especialmente em relações de longa data e recorrentes, se faz necessário o contínuo aprimoramento da proposta de valor. O encantamento não deve ser só na conquista inicial. No caso em específico, inclusive, é completamente factível personalizar a abordagem. Pelo volume e tipo das minhas compras, a empresa poderia inferir qual e quantos pets eu tenho e criar ofertas relevantes, em vez de apenas repetir a mesma pergunta infinitamente.
Por fim, quando finalmente consegui falar com um humano (ou pelo menos acho que era um humano), fui informada que:
1. Precisava ter mais cuidado ao interagir com o site da empresa.
2. Seria avaliada a possibilidade de estornar o valor integral do clube.
Cabe deixar claro que tudo foi resolvido, e os estornos foram realizados em cinco dias corridos da abertura do chamado, mas essa fala sobre “tomar cuidado” me fez refletir sobre o paradigma atual de interação das empresas com seus consumidores, o que me leva a nossas lições finais.
5️⃣ Experiências de compra precisam ser tecnicamente E psicologicamente seguras
Felizmente, o site não usou o "dark pattern" de deixar a opção do clube pré-selecionada. Mas o estresse que passei me fez cancelar todas as compras recorrentes e mudar para outra loja.
Eu era cliente há anos. Um sistema inteligente poderia, no mínimo, pré-selecionar “Não quero o clube” nas minhas compras futuras, depois das minhas 3 primeiras compras. Contudo, infelizmente ainda impera a lógica de que o consumidor que deve “tomar cuidado”, à despeito de todo discurso de "customer centricity".
6️⃣ Não irrite o cliente desnecessariamente
Entre a compra e a abertura do chamado não passaram nem duas horas. Eu fiz um único pedido com o clube. Ao ser informada de que não teria o estorno integral, cancelei o pedido também. Ainda assim, precisei ouvir que “iam ver” se poderiam devolver meu dinheiro.
Inaceitável.
Como essa história poderia ter sido evitada?
Se, ao perceber que o bot não resolvia meu problema, eu tivesse sido direcionada para um atendente logo no início, e ele tivesse:
✔ Cancelado o clube imediatamente.
✔ Recalculado o valor do pedido, considerando meu desconto recorrente.
✔ Ajustado os valores no cartão de crédito de forma transparente.
O problema teria sido resolvido em menos tempo, com menos desgaste, mantendo os ganhos da empresa e evitando um #textão como este.
Parece simples, né?
Infelizmente, não é.
E você, qual foi a sua história de terror mais recente como consumidor?
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